A correspondência foi enviada em decorrência do episódio ocorrido em fevereiro deste ano, quando a plataforma Rumble teve seu funcionamento suspenso no Brasil após se recusar a cumprir uma determinação judicial. A decisão do ministro Alexandre de Moraes exigia que a empresa indicasse um representante legal no país e bloqueasse os perfis do jornalista Allan dos Santos, considerado foragido pelas autoridades brasileiras e alvo de investigações por suposta disseminação de notícias falsas e ataques às instituições democráticas. A Rumble, no entanto, recusou-se a acatar a ordem, abrindo um impasse entre a Justiça brasileira e a empresa de tecnologia sediada nos Estados Unidos.
A reação do CEO da Rumble, Chris Pavlovski, à determinação do Supremo foi imediata e ganhou repercussão internacional. Em uma publicação na plataforma X, antigo Twitter, Pavlovski afirmou que não apenas desobedeceria à ordem brasileira, como também pretendia processar o ministro Alexandre de Moraes na Justiça dos Estados Unidos. O executivo defendeu o direito à liberdade de expressão e acusou o magistrado de extrapolar sua autoridade ao tentar impor decisões judiciais em território estrangeiro. Segundo ele, a medida representaria uma violação aos princípios constitucionais americanos, especialmente no que diz respeito à Primeira Emenda, que protege a liberdade de expressão.
A carta do Departamento de Justiça americano endossa, ainda que de forma diplomática, a posição adotada pela empresa. Ao afirmar que o ministro brasileiro não pode impor ordens a companhias nos Estados Unidos, o governo americano sinaliza um entendimento claro sobre os limites da jurisdição de um país em relação às empresas sediadas em outro. A posição norte-americana reforça a tese de que questões envolvendo plataformas digitais transnacionais devem ser tratadas por meio de acordos bilaterais ou tratados internacionais, e não por meio de decisões unilaterais com efeitos extraterritoriais.
A situação expõe um ponto de atrito crescente entre o Judiciário brasileiro, especialmente nas ações conduzidas pelo ministro Alexandre de Moraes, e empresas de tecnologia estrangeiras. Moraes tem sido protagonista de uma série de decisões envolvendo redes sociais, bloqueios de perfis e remoção de conteúdos, sob o argumento de combate à desinformação, ao discurso de ódio e à incitação contra o Estado Democrático de Direito. Por outro lado, críticos dessas medidas afirmam que as decisões representam uma ameaça à liberdade de expressão e configuram uma forma de censura judicial com forte viés político.
O caso de Allan dos Santos é emblemático nesse contexto. O jornalista teve seus perfis suspensos em diversas redes sociais por decisão do Supremo e se encontra atualmente fora do país. Considerado foragido, ele é acusado de integrar uma rede de desinformação e ataques sistemáticos às instituições brasileiras. Moraes ordenou o bloqueio de seus perfis em diferentes plataformas, incluindo a Rumble, que foi uma das poucas a resistir à determinação. A resposta do Departamento de Justiça americano, nesse sentido, fortalece o argumento da empresa de que não está sujeita à jurisdição do STF fora do território brasileiro.
O episódio reacende o debate sobre a soberania digital, a atuação das big techs e a necessidade de regulamentação internacional sobre o funcionamento das plataformas. Em um mundo cada vez mais conectado, a ausência de um marco regulatório global tem gerado conflitos frequentes entre governos e empresas de tecnologia. Para alguns especialistas, a carta americana representa um marco na discussão, pois explicita os limites do poder de um tribunal nacional frente a empresas que operam globalmente, mas estão submetidas às leis de seus países de origem.
A resposta dos Estados Unidos coloca em xeque a eficácia das decisões do STF em casos que envolvem plataformas estrangeiras e pode levar a uma reavaliação da estratégia adotada pelo Judiciário brasileiro no combate à desinformação. O conflito diplomático gerado pela carta também pode impactar as relações bilaterais entre Brasil e Estados Unidos, sobretudo em um momento em que as tensões políticas internas brasileiras continuam elevadas e a atuação do Supremo permanece sob forte escrutínio público.
Em meio a esse impasse, o debate sobre os limites do poder judicial no ambiente digital permanece aberto. A carta do Departamento de Justiça representa uma reação firme de um país soberano à tentativa de extraterritorialidade de uma decisão judicial brasileira, colocando em evidência os desafios que os Estados enfrentam para lidar com questões transnacionais na era da internet.