A principal linha de ação pensada pelo governo envolve a tentativa de dissuadir o presidente da Câmara, Hugo Motta, do Republicanos da Paraíba, de pautar rapidamente a votação do requerimento. A ideia é argumentar que há uma extensa fila de mais de dois mil pedidos de urgência aguardando deliberação, muitos deles protocolados há meses, o que justificaria deixar o PL da Anistia em compasso de espera. A expectativa é que, com isso, o projeto perca força e fique esquecido entre tantos outros temas que não avançaram.
Além dessa tentativa de convencimento institucional, o governo estuda adotar uma postura mais dura junto aos partidos que integram sua base e que apoiaram o requerimento de urgência. De acordo com fontes próximas à articulação política do Planalto, ministros e articuladores já discutem a possibilidade de retaliações, como a retirada de cargos ocupados por aliados de deputados desses partidos que contrariaram a orientação do Executivo. A medida é considerada extrema, mas não está descartada, especialmente diante da irritação de integrantes do núcleo duro do governo com a quebra de confiança por parte da base.
O estopim da crise foi a assinatura do requerimento de urgência por 264 deputados, dos quais 146 pertencem a legendas que controlam pelo menos um ministério no governo Lula. A adesão maciça, especialmente de siglas como o PP, que proporcionalmente foi o partido da base com maior número de assinaturas, gerou desconforto e expôs a fragilidade da aliança política construída ao longo do atual mandato.
Nos bastidores, a avaliação é de que a liderança do governo falhou em conter a movimentação dos parlamentares e deixou o Planalto vulnerável diante de uma proposta considerada sensível e polêmica. O Projeto de Lei da Anistia tem sido criticado por setores da sociedade civil e da oposição por, supostamente, tentar apagar punições a envolvidos em manifestações e atos que contestaram o resultado das eleições de 2022. Para o governo, permitir o avanço desse projeto representaria uma afronta ao processo democrático e uma concessão inaceitável à ala mais radical da política.
A nova ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, que assumiu recentemente o posto com a missão de fortalecer o diálogo com o Congresso, já foi acionada para tentar conter o desgaste e reorganizar as frentes de articulação. A presença de Gleisi, que já presidiu o PT e tem forte influência entre deputados aliados, é vista como crucial para evitar novos episódios como esse.
Enquanto isso, o presidente da Câmara, Hugo Motta, adotou postura cautelosa e não deu declarações públicas incisivas sobre o assunto. Ainda assim, sua movimentação está sendo acompanhada de perto por todas as alas interessadas, especialmente pela oposição, que pressiona para que o projeto entre em votação o quanto antes. O silêncio de Arthur Lira, seu antecessor e ainda figura influente nos bastidores da Casa, também chamou atenção. Embora tenha sido procurado por aliados, Lira não assinou o requerimento e optou por se manter distante da polêmica.
No Planalto, a percepção é de que a condução política nos próximos dias será determinante para medir a força do governo dentro da Câmara. Se conseguir adiar indefinidamente a votação do requerimento, Lula poderá ganhar tempo para costurar uma solução mais duradoura ou até mesmo negociar a retirada do projeto. Caso contrário, poderá enfrentar uma nova derrota simbólica, justamente em um momento em que tenta consolidar uma base estável para aprovar pautas econômicas e reformas estruturais.
A crise envolvendo o PL da Anistia escancarou, mais uma vez, os desafios de governar com um Congresso fragmentado e com interesses muitas vezes desalinhados com o Executivo. Ao mesmo tempo, trouxe à tona a fragilidade das relações construídas por meio da distribuição de cargos, uma moeda que pode não ser suficiente para garantir fidelidade quando o jogo político esquenta.