O ponto central da discórdia foi a preocupação manifestada pelo ministro Kassio Nunes Marques sobre as possíveis consequências diplomáticas de uma eventual decisão que fosse considerada hostil pelas grandes empresas de tecnologia, em especial as sediadas nos Estados Unidos. Segundo ele, uma ação mais dura do Supremo contra as plataformas poderia ser interpretada por Washington como uma afronta à liberdade de expressão, o que abriria margem para retaliações comerciais ou políticas. Em sua fala, Nunes Marques defendeu uma postura mais prudente do tribunal, alegando que seria necessário avaliar o impacto internacional das decisões tomadas, sob pena de o Brasil entrar em rota de colisão com potências estrangeiras.
A declaração foi recebida com ceticismo pelos demais ministros, especialmente por Alexandre de Moraes, relator do processo e principal defensor da regulação das redes sociais no âmbito do STF. Moraes interrompeu Nunes Marques durante sua explanação e questionou diretamente o colega sobre o fundamento de sua preocupação. De acordo com os relatos, Moraes teria reagido com ironia, dizendo que nem ele, que é o alvo constante de críticas internacionais, estava preocupado, e perguntou por que Nunes estaria. A frase teria causado desconforto entre os presentes, dando início a uma troca mais tensa de argumentos.
Nunes Marques, em resposta, reforçou seu ponto de vista e sugeriu que o tribunal deveria agir com responsabilidade institucional, evitando precipitações que pudessem ser interpretadas como hostis pelo mercado internacional. Para ele, a imagem do Brasil no exterior também passa pelo comportamento de suas instituições superiores, e qualquer movimento mais brusco poderia ser explorado por críticos para enfraquecer a legitimidade do Supremo. O ministro defendeu ainda que a corte não pode ignorar os sinais de desconforto que já têm partido de governos e entidades internacionais com relação ao comportamento de Moraes e outros membros do Judiciário brasileiro.
O debate tomou um rumo ainda mais ríspido quando o ministro Gilmar Mendes interveio com veemência, acusando Kassio Nunes de utilizar um discurso “bolsonarista” com o objetivo de atrasar o julgamento e proteger interesses políticos. Gilmar teria elevado o tom ao afirmar que a fala de Nunes soava como uma tentativa de chantagem emocional, ao apelar para temores diplomáticos que, na visão dele, são infundados. O decano da corte afirmou que é inadmissível que o STF se mostre refém de pressões externas, lembrando que a independência do Judiciário é um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
Segundo Gilmar, ceder a receios internacionais seria uma demonstração de fraqueza e abriria um perigoso precedente para a atuação futura da corte. Ele afirmou que o Brasil deve legislar e julgar com base em seus próprios valores constitucionais, e não se curvar diante de potenciais críticas vindas de outros países ou corporações multinacionais. O discurso foi apoiado por outros ministros, ainda que em tons mais moderados, reforçando o sentimento de que o tribunal precisa manter uma posição firme e coesa diante de temas sensíveis como a regulação digital.
Apesar das tensões e da evidente irritação de parte dos colegas, Kassio Nunes Marques optou por não pedir vista do processo, o que poderia ter adiado a análise do caso por tempo indeterminado. Ele apresentou seu voto e, com isso, contribuiu para o prosseguimento do julgamento, que promete ser um dos mais relevantes do ano por tratar diretamente da responsabilidade das plataformas digitais sobre conteúdos publicados por seus usuários. A decisão do Supremo poderá estabelecer um novo marco para a atuação de empresas como Google, Meta e X no Brasil, além de influenciar o debate legislativo no Congresso Nacional.
A reunião, embora fechada ao público, escancarou as dificuldades de consenso dentro da corte e evidenciou como questões geopolíticas e de soberania nacional já se infiltraram nos bastidores do Judiciário. Com os olhos do mundo voltados para o STF, o julgamento do Marco Civil da Internet se tornou mais do que uma discussão sobre liberdade digital — transformou-se em um símbolo da batalha por independência institucional frente à influência das grandes potências e das corporações globais.