Os advogados Ana Caroline Sibut, Luiz Felipe Pereira da Cunha, Tanieli Telles Camargo Padoan e Helio Garcia Ortiz Júnior, responsáveis pela denúncia, atribuem responsabilidade direta ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, por omissão deliberada diante da situação extrema enfrentada por Ana Flávia. A direção do presídio também é apontada como responsável pela negligência estrutural, médica e institucional, que, segundo os advogados, mantém as mulheres presas em um estado contínuo de vulnerabilidade e risco. A defesa relata que Ana Flávia, de 47 anos, mãe de um menino de oito anos e avó de dois netos, foi infectada por Covid-19 dentro da unidade prisional e não recebeu nenhum tipo de tratamento médico.
Além disso, ao tentar relatar sua condição de saúde e o surto de Covid que estaria sendo deliberadamente abafado pela direção do presídio, Ana Flávia teria sido ameaçada de morte. O presídio, conforme denúncias de advogados, familiares e entidades de direitos humanos, acumula uma longa lista de irregularidades, com destaque para o Bloco VII, onde Ana Flávia está recolhida. Este bloco, conhecido por abrigar internas com transtornos psiquiátricos, não oferece condições mínimas de saúde, segurança ou salubridade.
O estado de saúde da detenta é considerado gravíssimo. Ana Flávia sofre de depressão profunda e hipertensão arterial, quadro que se agravou nos últimos dias, conforme relato colhido em videoconferência com uma médica identificada como Geusa. A paciente relatou estar com fortes dores de cabeça, dor de ouvido e sintomas gripais intensos, além de ter sido privada de sua roupa de frio, o que a expõe ao risco de pneumonia. Mesmo diante dessas informações, o procurador-geral da República negou por duas vezes o pedido de prisão domiciliar, ignorando laudos médicos e denúncias formais que indicam risco real de morte e violação de garantias fundamentais.
A defesa afirma que a manutenção da prisão de Ana Flávia, nas condições atuais, é incompatível com os princípios do Estado Democrático de Direito e com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Os advogados argumentam que a situação viola diversos dispositivos legais e tratados internacionais, entre eles o artigo 318 do Código de Processo Penal, que autoriza a substituição da prisão preventiva por domiciliar no caso de mulheres com filhos menores de 12 anos, a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, as Regras de Mandela da ONU e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
A denúncia destaca ainda o tratamento desigual no sistema penal brasileiro, que favorece figuras públicas e mulheres com influência política ou econômica, enquanto pune com rigidez mães pobres, muitas vezes invisíveis diante do poder judiciário. Como exemplo dessa disparidade, os advogados citam o caso da ex-primeira-dama do Rio de Janeiro, Adriana Anselmo, que obteve prisão domiciliar após 111 dias de detenção, enquanto Ana Flávia permanece presa há mais de dois anos, sem acesso à saúde e com um filho pequeno à espera.
O caso escancara a seletividade do sistema penal, que parece pesar com mais força sobre mulheres pobres e marginalizadas. A denúncia agora está nas mãos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que poderá solicitar informações ao Estado brasileiro e, eventualmente, emitir medidas cautelares para proteção da vida e integridade física de Ana Flávia. A expectativa da defesa é de que a pressão internacional force uma revisão urgente da prisão e que a custodiada seja transferida para o regime domiciliar, conforme determina a legislação vigente.
Enquanto isso, a situação da detenta permanece crítica e a omissão das autoridades brasileiras segue sendo denunciada como cúmplice de um sistema que ignora a dignidade humana e as garantias básicas de mulheres que já perderam quase tudo, menos o direito de serem tratadas como seres humanos.