Representantes do Ministério da Justiça estiveram reunidos com membros do governo norte-americano para explicar por que, segundo a legislação atual do Brasil, essas facções não se enquadram na definição legal de terrorismo. Conforme estabelecido pela Lei Antiterrorismo brasileira, o terrorismo está atrelado a atos cometidos por motivações ideológicas, como xenofobia, racismo e intolerância religiosa, com a intenção de provocar pânico generalizado e ameaçar a segurança pública. Dessa forma, atividades voltadas ao lucro por meio do crime organizado, ainda que violentas, não podem ser classificadas como terrorismo de acordo com essa norma.
Durante o debate, Suguimori defendeu a separação entre o crime organizado e o terrorismo, argumentando que a realidade dos Estados Unidos é substancialmente diferente da brasileira. Para ele, tentar adaptar a legislação nacional aos moldes norte-americanos seria não apenas ineficaz, como também imprudente. Segundo o advogado, o Brasil possui leis específicas para tratar do crime organizado e estas devem ser fortalecidas, mas não confundidas com normas antiterrorismo que foram criadas com outro propósito.
Fonteyne, por outro lado, destacou os benefícios legais e estratégicos de se rotular facções como terroristas. De acordo com o ex-parlamentar, a legislação antiterrorismo oferece instrumentos mais eficazes ao Estado, como penas mais severas, maior facilidade para prisões preventivas e intervenções mais rápidas, o que poderia ajudar no combate às organizações criminosas que têm ampliado sua influência em diversas regiões do país. Ele também enfatizou que o fortalecimento da legislação de combate ao crime organizado é urgente, mas não exclui a possibilidade de ajustes que reconheçam o grau de periculosidade desses grupos.
Apesar das posições divergentes, ambos os debatedores concordaram quanto à gravidade da atuação das facções no território nacional. Com ramificações dentro e fora dos presídios, o PCC e o CV têm demonstrado capacidade de organização, comando, poderio bélico e influência política, fatores que preocupam autoridades brasileiras e internacionais. A presença de uma comitiva norte-americana no Brasil para discutir acordos de cooperação no combate ao crime transnacional reforça a dimensão geopolítica do tema.
A pressão dos Estados Unidos faz parte de uma política mais ampla adotada desde o governo de Donald Trump, que busca designar grupos criminosos latino-americanos como organizações terroristas com base na legislação norte-americana. Essa classificação permite aos EUA adotar medidas mais agressivas, como bloqueio de bens, sanções financeiras e ações coordenadas com países aliados. No entanto, para que haja cooperação plena entre os dois países nesse sentido, seria necessário que o Brasil alterasse sua legislação, algo que ainda encontra forte resistência entre juristas e parlamentares.
Suguimori criticou a ideia de ceder à pressão estrangeira para moldar leis internas a partir de interesses externos. Segundo ele, atender às demandas dos EUA seria comprometer a soberania jurídica do país e transformar a legislação brasileira em uma “colcha de retalhos” criada por conveniência diplomática, não pela necessidade social ou constitucional.
Fonteyne rebateu dizendo que, embora seja necessário preservar a autonomia do Brasil, não se pode ignorar o fato de que as facções estão cada vez mais próximas de práticas que, em essência, provocam terror à população. Ele mencionou casos de ataques orquestrados por essas organizações, com destruição de patrimônio público, bloqueio de cidades inteiras e assassinatos em série, o que, segundo ele, se aproxima das definições de terrorismo mesmo que a motivação primária seja financeira.
O impasse deixa clara a complexidade do tema, que envolve aspectos legais, políticos, sociais e diplomáticos. A discussão se insere em um momento delicado para o Brasil, que enfrenta desafios crescentes no combate ao crime organizado e busca apoio internacional para frear o avanço dessas facções. Ao mesmo tempo, o país precisa equilibrar sua autonomia legislativa com os compromissos assumidos em acordos de cooperação.
A decisão sobre mudar ou não a legislação antiterrorismo dependerá de um longo debate no Congresso Nacional, além de consultas a especialistas em segurança pública, direitos humanos e direito penal. Enquanto isso, a pressão internacional e a escalada do crime organizado continuam a desafiar as estruturas jurídicas e políticas do Brasil.