As declarações que motivaram a ação de Dino ocorreram na última quarta-feira, quando Sóstenes declarou a jornalistas que o PL poderia romper com o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Hugo Motta, caso o requerimento de urgência para a tramitação da proposta de anistia aos presos pelos atos de 8 de janeiro de 2023 não fosse pautado. Segundo o parlamentar, o partido cogita assumir 100% das emendas parlamentares nas comissões que preside, como Saúde, Agricultura e Turismo, o que normalmente se daria apenas com base em acordos de liderança que destinam 30% dessas emendas à sigla controladora da comissão, com os 70% restantes sendo divididos entre as demais bancadas.
As falas de Cavalcante foram interpretadas pelo ministro como uma possível ameaça ao equilíbrio institucional e à lisura no trato das verbas públicas. Flávio Dino afirmou que há indícios de que tais emendas poderiam estar sendo usadas em desacordo com os preceitos constitucionais e com a legislação complementar vigente, além de sugerirem o retorno de práticas consideradas ilegais pelo Supremo, como o chamado “orçamento secreto”. O magistrado reforçou que sua atuação visa assegurar o fiel cumprimento do acórdão do plenário do STF que determinou o fim de qualquer forma de execução orçamentária que não seja transparente e equitativa.
Dino argumentou ainda que a sua decisão está embasada na homologação, pelo plenário da Corte, do plano de trabalho acordado entre os Poderes Executivo e Legislativo, e que confere ao relator a responsabilidade de garantir a transparência e a constitucionalidade na aplicação dos recursos públicos oriundos das emendas parlamentares. Com isso, o líder do PL deverá apresentar justificativas detalhadas acerca de suas declarações recentes e esclarecer como o partido pretende gerir essas verbas, caso venha a adotar a medida extrema mencionada.
O movimento do ministro ocorre num momento delicado para o Congresso, marcado por embates entre aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro e o governo atual. Sóstenes Cavalcante, que é um dos nomes mais próximos de Bolsonaro na Câmara, tem liderado ofensiva pela anistia de envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, o que encontra forte resistência entre parlamentares da base governista e, especialmente, entre ministros do Supremo. O deputado não esconde sua insatisfação com a condução das negociações na Casa e afirmou que, caso Hugo Motta não ceda às demandas do PL, o partido poderá radicalizar sua posição no jogo político.
A reação de Flávio Dino é interpretada nos corredores de Brasília como mais um episódio do endurecimento institucional contra a ala bolsonarista do Congresso. Desde sua nomeação à Suprema Corte, o ministro vem adotando postura firme em relação às tentativas de reverter ou desacreditar decisões da Justiça sobre os episódios de vandalismo e invasão das sedes dos Três Poderes no início de 2023. Além disso, Dino vem sendo figura ativa na fiscalização do cumprimento de medidas que buscam assegurar maior transparência no uso dos recursos públicos, sobretudo em um momento em que a discussão sobre emendas parlamentares volta a ganhar protagonismo.
Ao exigir explicações imediatas de Sóstenes, o ministro busca reforçar a autoridade do Supremo sobre a legalidade na gestão do orçamento público, especialmente após o escândalo do orçamento secreto, que marcou os últimos anos do governo anterior. A decisão ainda gera debates sobre os limites entre o controle judicial e a autonomia parlamentar na distribuição de verbas e na condução de suas pautas políticas internas.
Enquanto isso, a tensão entre o Legislativo e o Judiciário parece longe de arrefecer. A expectativa é que, após as explicações de Sóstenes, novas medidas possam ser adotadas por Flávio Dino, a depender da resposta do parlamentar e da repercussão de suas justificativas. O episódio reascende a disputa por protagonismo entre os Poderes e coloca em evidência, mais uma vez, o delicado equilíbrio institucional da República brasileira.