Durante sua fala na plenária, Lula enfatizou a necessidade de o Mercosul abandonar a dependência do dólar em suas trocas comerciais internas. Segundo ele, o uso das moedas nacionais traria uma redução de custos significativa e fortaleceria a autonomia econômica da região. A proposta, que já havia sido mencionada em outras ocasiões por integrantes do governo brasileiro, ganhou destaque diante da instabilidade cambial internacional e do encarecimento das operações de importação e exportação entre os países do bloco.
Além da questão monetária, o presidente defendeu uma nova orientação para os acordos comerciais do Mercosul. Lula reconheceu os avanços das tratativas com a União Europeia, mas destacou que chegou o momento de intensificar o diálogo com a Ásia, especialmente com países como China, Índia e membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático. Para o líder brasileiro, esses mercados oferecem grandes oportunidades para a exportação de produtos industrializados e agrícolas da América do Sul, além de serem fundamentais para o equilíbrio geopolítico do comércio mundial.
Outro ponto central do discurso de Lula foi a defesa da industrialização dos minerais críticos extraídos em território sul-americano. O presidente alertou que o bloco não pode continuar exportando matéria-prima sem valor agregado para depois importar os produtos finais a preços exorbitantes. A solução, segundo ele, está na instalação de centros de beneficiamento nos próprios países do Mercosul, com transferência de tecnologia e políticas voltadas para a geração de empregos locais. Lula argumentou que esse processo pode transformar a região em uma potência sustentável e inovadora na produção de insumos estratégicos, como o lítio e o nióbio, indispensáveis para a transição energética global.
No campo digital, o presidente brasileiro classificou a criação de centros de processamento de dados como um elemento essencial para garantir a soberania dos países do bloco. Segundo Lula, os dados são um recurso estratégico do século XXI, e o controle sobre sua gestão não pode ficar nas mãos de potências estrangeiras. Ele defendeu a criação de infraestrutura própria para o armazenamento e o processamento de informações, fortalecendo a cibersegurança e garantindo o respeito à privacidade dos cidadãos sul-americanos.
A participação de Lula também teve um viés político, com mensagens claras sobre a importância da democracia e da cooperação entre os países da região. Ele reiterou que a integração não pode ser apenas econômica, mas também social e institucional. O presidente alertou para os riscos de discursos autoritários e defendeu que o Mercosul atue como um escudo contra retrocessos democráticos.
A presidência do Brasil no bloco sul-americano se inicia em um momento de tensões internas e externas. O discurso de Lula foi visto como uma tentativa de reposicionar o país como protagonista da política regional, após um período de distanciamento durante governos anteriores. Nos bastidores, assessores diplomáticos destacaram que a intenção do Planalto é conduzir o Mercosul a uma nova fase de modernização, inclusão produtiva e atuação global.
Enquanto Lula falava em reforçar a integração e o diálogo, o presidente da Argentina, Javier Milei, adotava um tom mais crítico e isolacionista, sugerindo que seu país pode abandonar o Mercosul caso o bloco não adote posturas mais liberais. A divergência de visões entre os dois presidentes ficou evidente, mas não impediu que a cúpula encerrasse com promessas de cooperação em áreas como energia, infraestrutura e meio ambiente.
Com a liderança do bloco nas mãos do Brasil até dezembro, o governo Lula tem agora o desafio de equilibrar interesses divergentes e promover avanços concretos na agenda comum. As propostas apresentadas nesta cúpula indicam um caminho mais pragmático e ambicioso, com foco na independência econômica, na inclusão tecnológica e na reaproximação do Mercosul com o cenário global.