Nos últimos meses, decisões judiciais e investigações envolvendo figuras públicas têm gerado intenso debate no Brasil, trazendo à tona questões sobre a imparcialidade da Justiça e sua relação com disputas políticas. Diversos casos, que envolvem desde a legalidade de delações até a análise de patrimônio público, têm agitado o cenário político nacional, refletindo a crescente tensão entre as instituições e as esferas de poder.
Um dos casos mais comentados foi a delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, que inicialmente se apresentou como uma peça-chave em investigações que envolviam o ex-presidente. No entanto, com o tempo, a força dessa delação foi se enfraquecendo, principalmente no processo relacionado à tentativa de golpe de Estado. A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu, no final de março de 2025, o arquivamento da investigação sobre a suposta fraude nos dados de vacinação contra a Covid-19. O pedido foi apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e alegava a ausência de provas suficientes para sustentar as acusações de inserção de dados falsos nos sistemas do Ministério da Saúde, baseando-se unicamente nas alegações de Cid. A PGR apontou que, embora a colaboração de Cid tivesse sido importante em outros processos, ela não era suficiente para embasar acusações em relação a esse caso específico.
Ao mesmo tempo, o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu que as joias sauditas recebidas por Bolsonaro e sua comitiva não devem ser consideradas patrimônio público. Com essa decisão, as joias não precisarão ser incorporadas ao acervo da União, desde que sejam comprovadas como itens pessoais e não tenham sido adquiridas com recursos públicos. Essa decisão gerou novas polêmicas sobre a forma como a Justiça lida com o patrimônio dos ex-presidentes e a questão da transparência nas relações internacionais.
Outro aspecto relevante foi a reafirmação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o direito à ampla defesa. Em uma decisão recente, a Quinta Turma do STJ reiterou que a acusação não pode selecionar quais elementos de prova serão entregues à defesa, considerando que a manipulação seletiva de provas fere o contraditório e prejudica o direito de defesa. Essa decisão, que envolveu a quebra de sigilo de Bolsonaro em uma investigação sobre fraude nos cartões de vacinação, também anulou uma decisão anterior que permitia o uso de provas sem uma fundamentação detalhada. O STJ argumentou que a justificativa da medida invasiva não era suficientemente clara, reafirmando a necessidade de proteger os direitos individuais.
No campo das discussões políticas, o tratamento desigual dado a figuras públicas tem gerado críticas. A possível anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023, por exemplo, dividiu a opinião pública. Uma pesquisa do Datafolha revelou que uma parcela significativa da população apoia a medida, considerando os ataques mais como um ato de vandalismo do que uma tentativa de golpe. Esse cenário levanta questões sobre o uso da Justiça como um instrumento de disputa ideológica, com a sensação de que decisões judiciais estão sendo influenciadas por interesses políticos, em vez de serem guiadas pela imparcialidade da lei.
Além disso, o caso envolvendo Bolsonaro e a perturbação de uma baleia jubarte, registrada em um vídeo onde o ex-presidente aparece pilotando uma moto aquática em alta velocidade perto do animal, foi arquivado. A decisão gerou novas críticas sobre a forma como questões ambientais envolvendo figuras públicas são tratadas pela Justiça, com alguns acusando a lentidão e a falta de consistência nas investigações.
Uma análise recente da professora Ana Laura Barbosa, da ESPM-SP, destacou o tempo médio para a conclusão de uma ação penal no STF, que é de aproximadamente 722 dias, o que implica em uma demora significativa no julgamento de casos. Para que o julgamento de Bolsonaro fosse realizado até 2025, seria necessário acelerar o trâmite processual, o que levanta dúvidas sobre a transparência e os possíveis critérios políticos na tramitação dos casos. Isso gera uma preocupação crescente sobre a possibilidade de mudanças nos ritos processuais que poderiam alterar o curso das investigações e dos julgamentos.
Esses eventos ressaltam um padrão de atuação que muitos consideram seletivo, com a Justiça sendo vista não apenas como um pilar da democracia, mas como um campo de disputas ideológicas. A desconfiança da população nas instituições cresce à medida que decisões parecem ser tomadas com base em alinhamentos políticos, o que prejudica a confiança na imparcialidade dos tribunais. O fato de figuras políticas e seus aliados enfrentarem processos mais rigorosos, enquanto outros permanecem blindados, alimenta a sensação de que a Justiça está se tornando um campo de batalha ideológica, em vez de um espaço para a aplicação imparcial da lei.
O clima de desconfiança crescente entre a população e as instituições judiciais tem gerado um debate intenso sobre a necessidade de reformar a Justiça para garantir que ela cumpra seu papel de forma justa e equânime, sem se tornar um instrumento de disputas políticas. Em um cenário onde a política e o Direito se entrelaçam cada vez mais, o Brasil se vê diante de um desafio crucial: restaurar a confiança na imparcialidade da Justiça e assegurar que as decisões judiciais sejam tomadas com base exclusivamente em fatos e provas, e não em interesses partidários.