Na quarta-feira da semana passada, a Câmara dos Deputados havia aprovado um projeto de resolução suspendendo a ação penal contra Ramagem. A votação ocorreu em clima de forte articulação política e com o respaldo da base governista e de parte significativa da oposição. Contudo, no sábado seguinte, a Primeira Turma do STF decidiu por maioria restabelecer a ação penal, anulando os efeitos da resolução aprovada pela Câmara. A decisão da Corte foi recebida com insatisfação no Parlamento e acendeu um alerta sobre os limites das competências de cada Poder.
Hugo Motta argumenta na ação que a decisão da Primeira Turma do Supremo desrespeita um preceito fundamental da Constituição, que garante a autonomia do Poder Legislativo para decidir sobre seus próprios membros, especialmente em situações que envolvam o exercício do mandato parlamentar. Segundo ele, a suspensão da ação penal contra Ramagem aprovada pela Câmara encontra respaldo no artigo 53 da Constituição, que trata da inviolabilidade dos parlamentares por suas opiniões, palavras e votos, além de prever a possibilidade de sustar ações penais quando estas forem consideradas ataques à independência do Poder Legislativo.
Na peça protocolada no STF, Motta afirma que a interferência do Judiciário nessa decisão representa uma afronta direta ao princípio da separação dos Poderes e compromete o equilíbrio institucional. Para o presidente da Câmara, permitir que decisões legislativas sejam anuladas pela via judicial cria um precedente perigoso e enfraquece o papel do Parlamento como instituição representativa e fiscalizadora.
A ação contra Alexandre Ramagem, que foi diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência durante o governo Jair Bolsonaro, tem origem em investigações que apontam suposto envolvimento em um esquema de espionagem ilegal. O caso tem grande repercussão política e jurídica, sendo constantemente usado como símbolo da disputa entre forças que enxergam no Judiciário um ativismo crescente e outros que defendem o papel da Corte como guardiã da Constituição diante de abusos de poder.
A decisão de restabelecer a ação penal foi tomada com base no argumento de que a resolução da Câmara não poderia suspender um processo criminal sem a devida fundamentação jurídica nem atender aos critérios constitucionais. Para os ministros da Primeira Turma, a medida legislativa se sobrepôs indevidamente à competência do Judiciário e violou o devido processo legal, além de não apresentar elementos suficientes para justificar a suspensão da ação.
O clima em Brasília é de apreensão. A cúpula do Congresso vê com preocupação o que classifica como um avanço das competências do STF sobre temas que, segundo os parlamentares, deveriam estar sob jurisdição exclusiva do Legislativo. Nos bastidores, aliados de Hugo Motta e de Ramagem acreditam que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental pode reverter a decisão e reafirmar a autoridade do Parlamento. Já setores do Judiciário observam com cautela a movimentação, avaliando que a Corte deve manter sua posição para preservar o papel constitucional do Supremo.
A Procuradoria-Geral da República, por sua vez, ainda não se manifestou oficialmente sobre o recurso apresentado pela Câmara. No entanto, há expectativa de que o tema leve a novas discussões sobre os limites da atuação de cada Poder e a necessidade de preservar a harmonia entre Judiciário e Legislativo.
O caso também reacende o debate sobre o uso político das ações penais e das prerrogativas parlamentares. Enquanto críticos afirmam que a suspensão da ação contra Ramagem tem motivações claramente corporativas, os defensores da medida argumentam que há um uso excessivo do Judiciário para interferir em assuntos políticos, o que comprometeria a autonomia do Congresso.
Agora, caberá ao plenário do Supremo avaliar a admissibilidade e o mérito da Arguição apresentada por Hugo Motta. A depender do desfecho, o julgamento poderá se tornar um divisor de águas na relação entre os Poderes e estabelecer novos parâmetros para a convivência institucional nos próximos anos. Enquanto isso, a situação de Alexandre Ramagem permanece indefinida, e a tensão entre Câmara e STF promete novos capítulos no já conturbado cenário político brasileiro.