Preso pelo 8/1, morador de rua questiona multa: ‘Não tenho dinheiro para comer’

LIGA DAS NOTÍCIAS

Flávio Soldani, de 58 anos, é um morador de rua que se viu no centro de uma situação judicial complexa após ser preso por sua participação nos atos de 8 de janeiro de 2023 em Brasília. Soldani, que não tem vínculo político, se refugiava em acampamentos próximos ao Quartel-General do Exército, buscando alimentação e abrigo após se mudar de Natal (RN) em busca de uma nova vida na capital federal, mas sem conseguir se estabelecer. A Defensoria Pública da União (DPU) tem trabalhado para ajustar os termos do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), que foi proposto pela Procuradoria-Geral da República (PGR).


O acordo inicialmente oferecido pela PGR inclui a confissão de crimes cometidos durante os protestos, a participação em um “curso sobre democracia”, a prestação de serviços comunitários e o pagamento de uma multa que pode alcançar até R$ 5 mil. No entanto, a DPU argumenta que essas exigências são inatingíveis para Soldani, que se encontra em situação de extrema vulnerabilidade. O homem, preso preventivamente, alegou em audiência que não possui condições financeiras para cumprir qualquer parte do acordo, questionando a imposição de uma multa. “Não tenho dinheiro para comer. Como vou pagar multa? Para varrer uma rua, preciso ter dormido e me alimentado antes, além de um lugar para guardar minhas coisas, o que não tenho”, afirmou durante a audiência.


A situação de Soldani reflete os desafios enfrentados pelo sistema de justiça ao tentar aplicar acordos judiciais a indivíduos em condições de vulnerabilidade social. Em seu depoimento, ele relatou que perdeu 14 kg desde sua prisão, evidenciando o quanto sua condição física está debilitada. A Defensoria tem buscado uma solução mais adequada à realidade do acusado, solicitando ajustes no acordo proposto, especialmente em relação à multa e à necessidade de prestação de serviços comunitários.


Soldani foi preso em abril de 2023, em São Paulo, após participar de um ato pela anistia na Avenida Paulista. Na ocasião, ele foi abordado por policiais após uma denúncia anônima, e os agentes verificaram que havia um mandado de prisão expedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em razão do descumprimento de medidas cautelares. O homem justificou sua situação dizendo que não possuía um endereço fixo, pois morava nas ruas, e que estava com dificuldades técnicas relacionadas ao uso da tornozeleira eletrônica.


Durante uma audiência realizada com um juiz auxiliar do gabinete do ministro Alexandre de Moraes, do STF, Soldani pediu para ser mantido na carceragem da Polícia Federal. Ele explicou que temia por sua segurança, tanto emocional quanto física, caso fosse transferido para outro local, e que se sentia mais seguro na unidade onde estava. O pedido foi formalizado pela DPU ao STF.


Esse caso levanta questões cruciais sobre a forma como a justiça lida com indivíduos em situação de rua e outras condições de vulnerabilidade. O fato de Soldani não ter um local fixo para dormir ou guardar seus pertences, por exemplo, coloca em dúvida a viabilidade de exigir que ele preste serviços comunitários. Além disso, a imposição de uma multa elevada para alguém sem recursos financeiros também soa desproporcional. A DPU, ao argumentar que Soldani não possui condições físicas ou financeiras de cumprir as exigências do ANPP, está tentando garantir que o acordo seja mais ajustado às circunstâncias de sua vida.


Embora a Procuradoria-Geral da República ainda não tenha se manifestado oficialmente sobre as solicitações feitas pela Defensoria, o caso de Soldani expõe as dificuldades práticas de aplicar acordos judiciais em situações de extrema vulnerabilidade social. As autoridades terão de considerar esses fatores ao decidir sobre a viabilidade do acordo proposto, levando em conta não apenas a responsabilidade penal de Soldani, mas também sua condição de morador de rua, sem qualquer suporte financeiro ou familiar.


O desfecho deste caso poderá estabelecer um precedente importante para o tratamento de pessoas em situação de rua no contexto do sistema de justiça brasileiro, sinalizando a necessidade de uma abordagem mais humanizada e realista, especialmente quando se trata de medidas punitivas que não consideram as condições de vida das pessoas envolvidas.

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