O recurso analisado tem origem em Rondônia e possui repercussão geral, o que significa que a decisão tomada pelo STF deverá ser seguida pelas demais instâncias do Judiciário. No centro da controvérsia está a exigência da OAB para o exercício da advocacia, algo que pode afetar diretamente a atuação de membros da AGU, já que alguns cargos podem ser ocupados por profissionais não inscritos na Ordem. Durante a audiência, Alexandre de Moraes levantou uma hipótese para ilustrar o que considera uma fragilidade institucional decorrente da não exigência da inscrição.
Moraes questionou: “Eventualmente, se a OAB fosse contrária a um determinado advogado-geral da União (AGU) e estabelecesse um procedimento disciplinar e cassasse a OAB desse advogado-geral da União, imediatamente ele perderia o cargo.” A declaração teve como objetivo apontar um possível risco de interferência de uma entidade privada – como a OAB – em instituições de Estado, como a AGU. No entanto, a colocação de Moraes foi prontamente interrompida por André Mendonça, que discordou do cenário hipotético apresentado.
“Não, isso não acontece. A parte… a parte de corregedoria está garantida à AGU. Só me permita essa parte”, afirmou Mendonça, em tom técnico. Moraes, embora tenha retomado a fala, deixou transparecer incômodo com a intervenção do colega. “Exatamente o que ocorre é que como não há essa obrigatoriedade, se faz um monte de pequenas gambiarras. ‘Não, isso pode. Isso não pode. Aquilo pode’. Então, é muito perigoso subordinar uma instituição de Estado a qualquer outra, ou seja, a qualquer outra instituição que tem interesses privados também.”
A fala deu continuidade ao raciocínio de Moraes, mas Mendonça interveio novamente. “Eu não me oponho a ser vencido na tese, mas não há relação de subordinação, nunca houve, nessa discussão.” Nesse ponto, Moraes elevou o tom de maneira visivelmente irritada. “Ministro André, eu ouvi Vossa Excelência com muito respeito. Ouvi, prestei atenção, se Vossa Excelência permitir, eu continuo”, afirmou, em uma tentativa de retomar o controle da exposição de sua argumentação.
O episódio chamou ainda mais atenção quando o ministro Gilmar Mendes entrou no debate, posicionando-se de maneira que foi interpretada como um apoio a Moraes, possivelmente para conter o ímpeto de Mendonça. Apesar disso, o ex-advogado-geral da União não recuou e manteve seu posicionamento de forma firme e articulada. A atuação de Mendonça durante esse julgamento reforça uma percepção crescente dentro e fora da Corte: o ministro tem se mostrado cada vez mais confortável em confrontar seus pares, mesmo diante de figuras consolidadas como Moraes e Gilmar Mendes.
Embora o conteúdo técnico do julgamento seja de grande relevância, o aspecto institucional e comportamental dos ministros também repercutiu entre analistas e operadores do direito. A reação de Moraes, mais emocional do que o habitual, contrastou com a serenidade obstinada de Mendonça, que tem se notabilizado por sua capacidade de manter o foco jurídico, mesmo em situações de tensão. Sua postura tem demonstrado não apenas segurança, mas também um domínio profundo da matéria constitucional, algo que chama atenção em um ambiente onde os embates muitas vezes extrapolam o campo estritamente técnico.
A divergência entre os ministros evidencia uma discussão mais ampla sobre os limites da atuação das instituições e a independência funcional de órgãos como a AGU em relação à OAB. Enquanto Moraes parece preocupado com os riscos de dependência institucional frente a entidades privadas, Mendonça sustenta que o ordenamento jurídico já possui mecanismos para garantir a autonomia funcional e administrativa dos órgãos públicos. Nesse sentido, a eventual exigência de inscrição na OAB para cargos como o de advogado da União ganha contornos que ultrapassam a formalidade jurídica, tocando também em princípios de organização do Estado.
O julgamento segue sem definição final e deverá retornar à pauta do STF em breve. Independentemente do resultado, o episódio revelou mais do que uma divergência interpretativa. Mostrou que as dinâmicas internas do Supremo estão em constante evolução e que vozes como a de Mendonça têm buscado espaço próprio, ainda que isso implique em tensões com ministros mais antigos. Resta saber como esse tipo de confronto afetará o equilíbrio institucional da Corte e o modo como o STF lida com temas sensíveis que envolvem sua própria atuação.