O relato de Baptista Junior difere do depoimento prestado dois dias antes pelo próprio general Freire Gomes, também ouvido pelo STF como testemunha. Freire negou ter dado voz de prisão a Bolsonaro, mas, segundo Baptista, a ameaça foi feita em termos mais diplomáticos, porém claros. De acordo com ele, o general não utilizou um tom agressivo, mas deixou explícita sua posição, afirmando que, caso o então presidente insistisse em uma medida extrema como a GLO, ele teria de prendê-lo. Para Baptista, foi uma advertência feita em tom de hipótese, mas com forte conteúdo político e institucional.
O episódio reforça a tese de que, dentro das Forças Armadas, havia divisões em relação à maneira como lidar com o resultado das eleições de 2022. Enquanto Freire Gomes e o próprio Baptista Junior adotaram uma postura de contenção e legalidade, buscando afastar Bolsonaro de qualquer intenção de impedir a posse de Lula, o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, teria adotado uma atitude oposta. Segundo o depoente, Garnier colocou as tropas da Marinha à disposição do presidente, dando sinais de apoio a uma eventual tentativa de reversão do processo democrático.
Essas declarações acontecem no contexto das investigações conduzidas pelo Supremo sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado articulada por aliados do ex-presidente Bolsonaro. A delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, e os indícios coletados pela Polícia Federal, vêm revelando uma série de reuniões, mensagens e articulações que apontam para o planejamento de ações contra a posse do presidente eleito. O depoimento de Baptista Junior se soma a esse conjunto de evidências, oferecendo um olhar de dentro sobre como parte da cúpula militar reagiu à crise.
O fato de um comandante militar mencionar a possibilidade de prender o presidente da República em exercício é um dado inédito na história recente do Brasil. Embora tenha sido uma fala em caráter condicional, ela revela o grau de tensão e de pressão que envolveu a reta final do governo Bolsonaro, especialmente diante das movimentações de apoiadores que não aceitavam o resultado das urnas. A reunião no Alvorada, mencionada por Baptista Junior, teria sido um dos momentos mais críticos, quando Bolsonaro ainda avaliava caminhos para contestar o pleito.
Além disso, o depoimento fortalece a imagem de Freire Gomes como uma figura-chave na contenção de arroubos golpistas. Ao se posicionar contra a GLO e ao sinalizar que uma medida dessa natureza teria consequências legais graves, o general mostrou um compromisso com a ordem constitucional. A avaliação feita por Baptista Junior, de que Freire é uma pessoa polida, mas firme, contribui para delinear o perfil de um militar que, diante de uma crise institucional, optou por defender a legalidade em vez de ceder a pressões políticas.
Por outro lado, o papel de Almir Garnier ganha ainda mais destaque negativo. A disposição de colocar tropas navais à disposição do presidente sugere que havia, ao menos em parte da Marinha, abertura para apoiar ações que poderiam afrontar o processo democrático. Esse comportamento o distancia dos colegas de alto escalão do Exército e da Aeronáutica e o aproxima do núcleo duro do bolsonarismo, que hoje é alvo de diversas investigações por tentar minar as instituições republicanas.
As revelações feitas por Baptista Junior devem influenciar diretamente os próximos passos da investigação conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, que já tornou réus diversos militares e assessores próximos de Bolsonaro por participação em atos antidemocráticos. A fala do ex-comandante da FAB contribui para mapear as divisões internas entre os altos oficiais das Forças Armadas naquele período conturbado e pode servir como base para delimitar responsabilidades.
Enquanto o processo segue no STF, o país acompanha atentamente os desdobramentos de um dos episódios mais graves desde a redemocratização. A eventual confirmação de que havia um plano em curso para barrar a posse de um presidente eleito democraticamente pode representar um divisor de águas para o futuro das instituições brasileiras. Em meio a esse cenário, as palavras de Baptista Junior ecoam com peso, ao mostrarem que, mesmo em tempos de crise, alguns setores do poder optaram pela Constituição e pelo Estado de Direito.