A falta de critérios claros para a destinação das emendas Pix tem gerado grande preocupação. O procedimento de rastrear e monitorar essas transferências ganhou força após a constatação de disparidades nos valores enviados a cidades com diferentes populações e necessidades. De acordo com o MPF, alguns municípios receberam valores extremamente altos em comparação com o tamanho e a demanda da população local, o que levanta suspeitas sobre a real necessidade desses repasses e sobre a possibilidade de uso político eleitoreiro dos recursos. A discrepância nos valores destinados às cidades de diferentes portes, como Carapicuíba e Boa Vista, em contraste com cidades menores como Bonfim e Caroebe, tem sido um ponto de destaque nas investigações.
Até o final de janeiro de 2025, foram abertos 229 procedimentos administrativos para monitorar repasses a 224 cidades, abrangendo um total de oito estados e ao menos 114 parlamentares. Esses processos envolvem não apenas o rastreamento de quem enviou os recursos, mas também a investigação sobre o destino final do dinheiro, uma vez que, ao contrário de outras modalidades de emenda, a emenda Pix permite saber o destino do repasse, mas não oferece transparência sobre como ele é utilizado. O que tem gerado mais apreensão são os indícios de que esses repasses estão sendo feitos sem a devida prestação de contas, um fator que aumenta o risco de desvio de verba pública.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) chegou a pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão dessa modalidade de emenda, alegando que ela fere a Constituição devido à falta de controle e rastreabilidade dos recursos. Embora o STF tenha suspendido momentaneamente o pagamento das emendas Pix por questões de transparência, o pagamento foi autorizado novamente, mas com exigências de que haja a apresentação prévia de planos de trabalho e a utilização de contas bancárias específicas para a movimentação dos recursos. Em resposta, os prefeitos das cidades beneficiadas pelos repasses têm sido chamados a fornecer informações detalhadas sobre os valores recebidos, as contas abertas para movimentação dos recursos e as destinações dos valores.
Os procedimentos de monitoramento podem resultar em investigações mais profundas, inclusive em inquéritos contra prefeitos, caso sejam identificadas irregularidades nos repasses ou no uso dos recursos. Além disso, parlamentares envolvidos nos repasses podem ser investigados pelo STF, conforme determinado pelo procurador-geral da República. O MPF já está apurando ao menos 15 investigações contra deputados e senadores sobre o uso impróprio das emendas, e essas apurações estão em andamento nos gabinetes de seis ministros do STF.
Nos últimos anos, o valor destinado por meio das emendas Pix aumentou consideravelmente. Em 2024, os deputados e senadores direcionaram aproximadamente R$ 7,7 bilhões para os municípios, um aumento significativo em comparação com os R$ 621 milhões registrados em 2020. Essa elevação expressiva no volume de recursos movimentados tem gerado ainda mais desconfiança em relação à forma como esses valores estão sendo aplicados e à possível relação com práticas de clientelismo político, especialmente por parte de parlamentares do Centrão, que dominam a destinação das emendas. De acordo com dados levantados pelo MPF, os partidos como Republicanos, Progressistas, União Brasil, PSD e PL foram os principais responsáveis pelo envio de recursos, com valores que ultrapassam os R$ 300 milhões.
Os críticos das emendas Pix, como o economista Humberto Nunes Alencar, destacam três pontos principais que tornam esse modelo problemático. O primeiro é a falta de transparência na aplicação dos recursos. O segundo é a discrepância entre os valores recebidos por diferentes municípios, o que pode gerar desequilíbrios e beneficiar mais aqueles que estão no radar dos parlamentares do que as localidades realmente necessitadas. Por fim, a crítica se estende ao descasamento entre o investimento feito nas cidades e o custeio das obras e serviços a longo prazo. De acordo com Alencar, muitos municípios não possuem condições de manter os serviços e infraestrutura que são construídos com esses recursos, o que acaba resultando em um ciclo vicioso de obras inacabadas ou mal mantidas, prejudicando a população local.
A atuação do MPF reflete uma nova abordagem na fiscalização do uso de emendas parlamentares. Em vez de esperar por denúncias externas, o Ministério Público tem tomado a iniciativa de acompanhar em tempo real o fluxo dos recursos, o que demonstra uma tentativa de atuar de maneira mais proativa no combate à corrupção e ao desvio de verbas. O resultado dessa ação ainda está por ser completamente avaliado, mas, certamente, os próximos meses trarão mais desdobramentos sobre como os parlamentares e prefeitos lidam com as exigências de transparência e fiscalização das emendas Pix.