A insatisfação entre os deputados tem se acumulado ao longo dos últimos anos, mas o novo episódio representou um ponto de inflexão. Parlamentares acusam ministros de usurparem funções do Legislativo ao interferirem de maneira solitária em matérias que deveriam ser debatidas e aprovadas por representantes eleitos. A crítica principal é de que o Supremo tem adotado um protagonismo político que não lhe cabe, distorcendo o papel de guardião da Constituição ao se transformar em ator político ativo. Muitos enxergam essas decisões monocráticas como um desequilíbrio grave entre os Poderes, capaz de minar a legitimidade das decisões tomadas pelo Congresso.
A Proposta de Emenda à Constituição, conhecida como PEC das decisões monocráticas, propõe justamente vedar esse tipo de atuação individual. Hoje, um único ministro do STF tem o poder de suspender leis, paralisar ações do Congresso ou travar políticas públicas por meio de liminares, sem que o tema passe por votação no plenário da Corte. A PEC, ao tornar obrigatória a apreciação colegiada nesses casos, busca devolver ao Supremo seu caráter de tribunal e impedir que decisões de tamanha relevância fiquem concentradas nas mãos de um só magistrado.
A movimentação no Congresso ganhou fôlego com apoio de parlamentares de diversos partidos, inclusive de legendas que historicamente defendem a independência do Judiciário. A avaliação nos bastidores é de que, neste momento, há um consenso mínimo de que algo precisa ser feito para conter os abusos. A proposta deve ser analisada com prioridade na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, onde os autores da emenda esperam conseguir aprová-la em tempo recorde. O número de deputados favoráveis já se mostra expressivo, o que pode acelerar também sua tramitação no plenário e, futuramente, no Senado.
Nos corredores do Congresso, cresce a pressão sobre o presidente da Câmara para que ele inclua a proposta na pauta o quanto antes. Parlamentares defendem que o Legislativo precisa dar uma resposta clara ao que consideram uma afronta às suas prerrogativas constitucionais. Muitos defendem a medida como uma forma de proteger a democracia representativa, já que, segundo eles, ministros não eleitos não devem ter o poder de anular ou suspender atos que resultam de decisões parlamentares tomadas por maioria.
No STF, apesar da ausência de uma manifestação oficial até o momento, já há sinais de incômodo com a ofensiva política. Ministros da Corte argumentam que decisões monocráticas são essenciais para lidar com urgências e evitar prejuízos maiores em determinadas situações. Também afirmam que, na maioria dos casos, as decisões liminares são posteriormente analisadas e confirmadas pelo colegiado. Mesmo assim, os críticos não questionam a existência do mecanismo em si, mas sim o uso desproporcional e politizado dele, especialmente em matérias de interesse direto do Congresso ou do Executivo.
O atrito entre o Legislativo e o Judiciário chega a um novo patamar com a retomada dessa proposta. A disputa já extrapola o campo jurídico e se transforma em um debate institucional sobre a própria estrutura democrática do país. Parlamentares argumentam que a concentração de poder em decisões individuais viola o princípio da colegialidade do Supremo e enfraquece os alicerces da democracia. Já parte da comunidade jurídica e setores alinhados ao STF sustentam que a proposta, se aprovada, poderá engessar o funcionamento da Corte em momentos de urgência.
Com um ambiente político cada vez mais polarizado e uma população dividida em relação ao papel do Judiciário, o debate promete se arrastar pelas próximas semanas como um dos principais temas da agenda nacional. O avanço da PEC poderá significar uma mudança importante na dinâmica dos Três Poderes, mas também levanta dúvidas sobre os riscos de retaliação institucional e os impactos que essa mudança poderá gerar no equilíbrio das funções constitucionais. Seja qual for o desfecho, o embate deixa claro que a crise de confiança entre os Poderes está longe de ser resolvida.