Brasil teve 48 anistias aprovadas desde a Independência

LIGA DAS NOTÍCIAS

Desde a Independência do Brasil, em 1822, o país aprovou 48 leis de anistia, sendo a primeira decretada poucos dias após a ruptura com Portugal. Agora, uma nova proposta de perdão, a 49ª, está em discussão no Congresso Nacional. Trata-se do projeto de lei apresentado pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) no dia 14 de abril de 2025, que pede urgência na votação da anistia para os envolvidos nos atos golpistas de 8 de Janeiro de 2023. O histórico brasileiro revela que as anistias têm sido utilizadas não apenas como instrumentos jurídicos, mas, sobretudo, como ferramentas políticas ao longo dos diferentes regimes e momentos históricos.


A primeira anistia brasileira foi publicada em 18 de setembro de 1822, 11 dias após a Proclamação da Independência, e teve como objetivo perdoar aqueles que haviam se manifestado contra a separação de Portugal. Pouco tempo depois, em 1825, veio a segunda anistia, voltada aos participantes da Confederação do Equador, uma revolta republicana contra o imperador Dom Pedro I. Em 1833, outras seis rebeliões foram contempladas com perdão oficial, todas ligadas a tensões contra o governo imperial.


No período da República Velha, anistias foram concedidas a participantes de eventos como a Revolta Armada contra Floriano Peixoto, a Revolução Federalista, a Revolta da Vacina e a Revolta da Chibata. Esse padrão de perdão também continuou nas décadas seguintes. Sob o governo de Getúlio Vargas, houve anistia para os combatentes da Revolução Constitucionalista de 1932 e para os soldados desertores durante a Segunda Guerra Mundial, conflito em que o Brasil participou por meio da Força Expedicionária Brasileira, especialmente na campanha da Itália.


Uma das anistias mais relevantes na história brasileira foi a de 16 de dezembro de 1961, que beneficiou opositores políticos e membros das Forças Armadas que tentaram barrar a posse do então presidente João Goulart. Já em 1979, durante o processo de abertura política que precedeu o fim da ditadura militar, o Congresso aprovou a mais conhecida anistia do país, perdoando tanto agentes do Estado quanto militantes que se opuseram ao regime. Essa lei, embora considerada um marco da transição democrática, também foi criticada por ter garantido impunidade a torturadores e assassinos da ditadura.


Segundo levantamento realizado pelo portal Poder360 com base no livro “Anistia: Legislação Brasileira de 1822 a 1979”, na Agência Senado e no site da Câmara dos Deputados, todas essas anistias federais foram concedidas por meio de atos oficiais diretos. O estudo destaca que o uso da anistia ao longo dos séculos esteve quase sempre vinculado a interesses políticos e não apenas à busca de pacificação ou justiça histórica.


O professor Raphael Peixoto, da Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa) e do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), afirma que a anistia, embora juridicamente definida como extinção da punibilidade, é usada no Brasil como uma ferramenta política. Diferente do indulto, que apenas concede liberdade sem apagar o crime, a anistia tem o efeito jurídico de eliminar o próprio fato criminoso.


De acordo com Peixoto, a Constituição Federal de 1988 estabelece que a anistia deve ser proposta pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República. No entanto, o uso recorrente dessa prerrogativa como estratégia política é um traço marcante da história brasileira. O professor destaca que muitas das anistias concedidas, como a de 1955, que beneficiou conspiradores contra a posse de Juscelino Kubitschek, foram mais instrumentos de impunidade do que de justiça ou reparação.


Na visão do pesquisador, a proposta atual que busca perdoar os envolvidos no ataque às instituições democráticas em 8 de Janeiro de 2023 segue esse mesmo padrão. Ele afirma que há uma tentativa de disfarçar a impunidade com a ideia de reconciliação, mas que, na prática, isso não contribui para o esquecimento dos crimes nem para a pacificação do país. Para Peixoto, a anistia brasileira sempre foi seletiva e atrelada aos interesses estratégicos de determinados grupos políticos.


A história das anistias no Brasil, portanto, reflete muito mais sobre os usos políticos do perdão do que sobre um desejo coletivo de reconciliação ou justiça. A proposta em discussão no Congresso hoje não escapa a essa lógica. O que está em jogo, mais uma vez, é a forma como o país lida com seus conflitos internos e com as responsabilidades legais e morais de seus cidadãos e governantes. A decisão que o Legislativo tomará nos próximos meses poderá marcar mais um capítulo dessa longa tradição brasileira de transformar o esquecimento jurídico em uma ferramenta de disputa política.

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