A delação de Cid tem sido central para os desdobramentos jurídicos envolvendo o ex-presidente, mas a forma como a PGR tem tratado as informações vindas dessa colaboração levanta dúvidas sobre a robustez das evidências. No caso do cartão de vacina, a Procuradoria alegou que não havia provas suficientes para dar seguimento à investigação, enquanto no caso da suposta tentativa de golpe, o mesmo delator é considerado uma peça-chave para a formação da acusação, sendo que outros elementos de prova foram apresentados para sustentar a denúncia.
Caio Junqueira, analista político da CNN Brasil, comentou que o timing dessa decisão não parece ser uma coincidência, sugerindo que a Procuradoria estaria realizando uma espécie de "limpeza de mesa" dos casos envolvendo Bolsonaro. Para Junqueira, a decisão de arquivar o caso da vacina pode reforçar a tese de defesa do ex-presidente em relação à delação de Mauro Cid, uma vez que seus advogados poderão usar o arquivamento como argumento de que a colaboração de Cid não tem a credibilidade necessária para embasar processos jurídicos significativos.
O caso da fraude no cartão de vacinação, que havia gerado grande repercussão durante o período pós-pandemia, se soma aos outros processos que envolvem Bolsonaro. Dentre os principais, destacam-se as investigações sobre o caso das joias recebidas de autoridades árabes, o envolvimento de servidores da ABIN em atividades paralelas durante seu governo e, por último, a acusação de tentativa de golpe de Estado. Embora o caso da vacinação tenha sido arquivado, os três outros ainda seguem em andamento, com o mais grave, a trama golpista, envolvendo acusações de tentativa de minar a democracia brasileira e alterar o resultado das eleições de 2022.
A mudança no tratamento das delações, onde agora se exige mais evidências concretas para que sejam usadas como base para investigações, é vista por muitos analistas como uma reação à era pós-Lava Jato. Durante aquele período, muitas prisões foram realizadas apenas com base em delações premiadas, o que gerou um desgaste institucional. O Congresso Nacional tem se mostrado mais criterioso quanto ao uso dessas provas, exigindo provas materiais que sustentem as acusações antes de qualquer medida mais drástica, como a prisão ou o arquivamento de um caso.
Essa nova abordagem da PGR traz à tona a complexidade do julgamento e da apuração de figuras políticas de alto escalão no Brasil. No caso específico de Bolsonaro, o arquivamento do caso do cartão de vacina pode ser visto como uma vitória para sua defesa, pois a decisão fortalece a argumentação de que os processos contra ele carecem de consistência, sendo baseados em acusações frágeis ou desprovidas de provas robustas. Por outro lado, a continuidade do caso da trama golpista pode ser encarada como um reflexo da gravidade das acusações, que envolvem uma suposta tentativa de desestabilizar a ordem constitucional e os princípios democráticos.
A estratégia de defesa de Bolsonaro, agora com mais um argumento à disposição, pode ser moldada com base nesse arquivamento, especialmente se a PGR não conseguir consolidar suas alegações no caso da trama golpista. O fato de o Ministério Público ter decidido focar sua atenção nesse último caso demonstra o grau de seriedade atribuído a ele, com a possibilidade de uma pena extremamente severa caso o ex-presidente seja condenado. Estima-se que, se condenado por esse caso, Bolsonaro possa enfrentar uma pena superior a 40 anos de prisão, o que certamente tem repercussões não apenas no campo jurídico, mas também no cenário político, com potencial para alterar a dinâmica das eleições e da polarização política no Brasil.
Portanto, o arquivamento do caso do cartão de vacina pode ser apenas um capítulo dentro de um processo maior, que continua a se desenrolar nos tribunais brasileiros. Com a movimentação do STF e da PGR, o futuro político de Bolsonaro permanece indefinido, e a relevância da delação de Mauro Cid será testada nos próximos meses, à medida que novos elementos surjam no caso da tentativa de golpe e em outros processos ainda pendentes. O desenrolar dessas investigações será crucial para determinar o rumo político e jurídico do ex-presidente, que segue sendo uma figura central no debate político do Brasil.