As transferências discricionárias são aquelas em que o governo federal tem liberdade para decidir a quem, como e quanto repassar. Esses recursos são frequentemente utilizados para financiar projetos específicos ou atender demandas de estados e municípios em negociações políticas. Durante o governo de Jair Bolsonaro, esse modelo de transferências discricionárias era mais flexível, permitindo uma maior margem de negociação. O RN, por exemplo, recebeu R$ 205,4 milhões nesse tipo de transferência em 2019. No entanto, com a chegada de Lula ao poder, essa abordagem foi alterada, refletindo uma mudança nas prioridades orçamentárias.
Já as transferências constitucionais, que são recursos que o governo federal é obrigado a repassar, como o Fundo de Participação dos Estados (FPE), Fundeb e royalties do petróleo, têm um destino fixo, sendo direcionadas para áreas específicas como saúde, educação e infraestrutura. Apesar de não oferecerem a mesma liberdade de aplicação dos recursos, essas transferências automáticas aumentaram consideravelmente no RN. Em 2019, o estado recebeu R$ 4,54 bilhões por meio dessas transferências, valor que saltou para R$ 7,12 bilhões em 2024, representando um aumento de 56%.
O crescimento dos repasses constitucionais é explicado por uma combinação de fatores. Em primeiro lugar, a maior arrecadação federal, impulsionada pelo aumento do Imposto de Renda e do IPI, resultou em mais recursos para o FPE. Além disso, o fim das desonerações do IPI beneficiou diretamente os estados, aumentando a arrecadação do FPE, enquanto o aumento da participação da União no Fundeb, que passou de 10% para 23%, garantiu mais recursos para a educação. A alta nos royalties do petróleo também teve um impacto positivo para estados como o RN, que são beneficiados pela exploração do petróleo.
Embora o RN tenha visto um aumento nos repasses constitucionais, o governo federal tem priorizado projetos de longo prazo, como o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que visa investimentos estruturais no estado. Esses investimentos, no entanto, não são de natureza discricionária e exigem aprovação do governo federal, o que diminui a liberdade de negociação para os gestores estaduais e municipais. A governadora Fátima Bezerra, por exemplo, tem se deslocado frequentemente a Brasília em busca de mais recursos para o estado, já que os repasses constitucionais não podem ser utilizados de forma livre, mas sim direcionados a áreas específicas de acordo com as normas estabelecidas.
No contexto dos repasses discricionários, o RN tem enfrentado uma queda significativa. Enquanto em 2019 o estado recebeu R$ 205,4 milhões em transferências discricionárias, esse valor caiu para R$ 163,7 milhões em 2023 e despencou para R$ 51,4 milhões em 2024, representando uma redução de 75%. Essa diminuição reflete uma mudança de enfoque no orçamento federal, que deixou de priorizar as negociações diretas com os estados e passou a adotar uma abordagem mais rígida e programática, com a redução dos gastos discricionários.
Apesar dessa queda nos recursos discricionários, o governo federal ainda tem feito investimentos relevantes no RN. Em 2023 e 2024, o estado recebeu R$ 143 milhões em convênios para a conclusão da Barragem de Oiticica, R$ 16,9 milhões para o transporte escolar rural, além de repasses para infraestrutura viária e a expansão do Fundeb, que garantiu mais recursos para as escolas e universidades federais. Esses investimentos são vinculados a projetos específicos e não podem ser utilizados livremente pelos governos estaduais e municipais, o que limita a flexibilidade na administração dos recursos.
Essa mudança na forma como os recursos são transferidos para o RN tem gerado um debate sobre as vantagens e desvantagens de um modelo que prioriza a destinação de recursos para áreas específicas, mas reduz a autonomia de estados e municípios. De um lado, há o argumento de que o aumento dos repasses constitucionais garante mais recursos para áreas essenciais, como saúde e educação. De outro, há a crítica de que a falta de flexibilidade para gastar conforme as necessidades locais pode prejudicar a gestão pública, já que os governantes perdem a capacidade de alocar recursos de forma mais estratégica de acordo com as demandas do estado.
Em resumo, embora o RN tenha recebido mais dinheiro do governo federal nos últimos anos, a capacidade de aplicar esses recursos de forma livre foi significativamente reduzida. A estratégia do governo Lula de priorizar transferências constitucionais e investimentos estruturantes, como o Novo PAC, reflete uma visão mais centralizada da gestão pública, mas também reduz a autonomia dos estados e municípios. O futuro do estado dependerá da capacidade de negociar novas formas de financiamento e da adaptação a esse novo modelo de repasses federais.