Gilmar Mendes defendeu uma nova abordagem para classificar ações como golpe de Estado, sugerindo que não seria necessário que um golpe fosse efetivamente executado para que houvesse punição. De acordo com o ministro, cogitar ou planejar um golpe, mesmo sem a execução, poderia ser considerado punível se houver uma tentativa de perturbar ou inverter a ordem política. Ele afirmou que os atos preparatórios para um golpe poderiam ser punidos, considerando que a simples preparação para tumultuar a cena política já configuraria um crime.
O jurista André Marsiglia, ao analisar as palavras de Mendes, argumentou que essa postura poderia levar a interpretações jurídicas problemáticas. Segundo Marsiglia, a proposta de Mendes geraria um precedente perigoso ao confundir o uso da palavra e da liberdade de expressão com ações concretas de golpe. Ele destacou que, se a interpretação de Gilmar Mendes fosse aceita, postagens nas redes sociais, como as feitas por Bolsonaro e seus aliados, poderiam ser consideradas tentativa de golpe apenas por causa do "tumulto" gerado no cenário político. Para Marsiglia, isso colocaria em risco a liberdade de expressão, um princípio fundamental da democracia.
O ministro, por sua vez, justificou sua posição ao explicar que, no caso de crimes contra a ordem democrática, como um golpe de Estado, há uma linha tênue entre atos preparatórios e executórios. Para ele, a mobilização política e as articulações para desestabilizar o Estado poderiam ser interpretadas como o início de um golpe, o que justificaria a punição. Ele também falou sobre os relatórios da Polícia Federal, que, segundo ele, indicariam uma articulação para esses crimes, embora não houvesse ainda uma execução concreta dos atos.
Além disso, o ministro abordou as críticas internacionais sobre o papel do STF, especialmente em relação à liberdade de expressão. Ele afirmou não temer que as críticas à atuação do Supremo no Brasil gerassem uma percepção equivocada no exterior. Mendes reforçou que o Brasil continua a garantir a liberdade de expressão, e que os debates sobre as redes sociais são globais, não restritos ao Brasil. Ele também defendeu o controle das grandes plataformas digitais, argumentando que é necessário assegurar que essas empresas se responsabilizem pelo conteúdo veiculado.
Em relação a questões internas, Gilmar Mendes comentou sobre a possibilidade de uma anistia para os envolvidos nos atos de 8 de janeiro. Para ele, a ideia de uma anistia política não seria viável, especialmente considerando a gravidade dos crimes cometidos, que ele comparou a atos de terrorismo. Mendes também se posicionou contra a ideia de minimizar os eventos de janeiro de 2023, ressaltando a importância de lembrar o contexto e os impactos dessas ações, que ele acredita estarem interligados a uma tentativa mais ampla de desestabilizar o Estado.
Ao ser questionado sobre a declaração do ministro da Defesa, José Múcio, de que seria importante diferenciar o grau de envolvimento dos participantes dos atos de 8 de janeiro, Gilmar Mendes se mostrou crítico. Para ele, a tolerância das Forças Armadas à permanência de manifestantes em frente aos quartéis desde novembro de 2022 foi um fator que contribuiu para a escalada dos eventos. Ele também afirmou que a presença das manifestações em locais como os quartéis e a Praça dos Três Poderes não deveria ser considerada uma forma legítima de protesto, mas sim um ato contra a ordem democrática.
O debate sobre a atuação do STF no Brasil tem se intensificado, especialmente com a tramitação de propostas no Congresso Nacional que buscam limitar os poderes da Corte. Entre as propostas estão a PEC da Blindagem e uma PEC que permitiria ao Congresso suspender decisões do STF. Gilmar Mendes afirmou que, caso alguma medida para restringir a independência do Judiciário seja proposta, ela será provavelmente submetida ao próprio STF, que decidirá sobre sua constitucionalidade.
O ministro também comentou sobre as críticas que afirmam que o STF tem extrapolado seus limites constitucionais, especialmente no que diz respeito à sua atuação em temas como segurança pública. Mendes defendeu as decisões do Supremo como necessárias para moderar excessos cometidos pelas autoridades em outras áreas, como nas operações policiais em comunidades. Para ele, é essencial garantir que o Estado de Direito seja respeitado em todas as suas dimensões, evitando que facções criminosas ou grupos paramilitares ocupem territórios de maneira ilegítima.
Gilmar Mendes concluiu sua entrevista reafirmando que o STF tem agido dentro dos limites de sua competência e que, embora o debate sobre seu papel seja legítimo, o Tribunal deve continuar sua missão de garantir a Constituição e a ordem democrática no país, sem se curvar a pressões externas ou internas. Ele também deixou claro que os Poderes precisam trabalhar de forma harmônica, mas dentro do respeito às funções e responsabilidades de cada um.